Crítica: "Menina de Ouro"
Clint Eastwodd interpreta maravilhosamente um velho treinador de boxe, Frankie Dunn, às voltas com uma nova aluna, Maggie Fitzgerald, na interpretação perfeita de Hilary Swank, que lhe valeu o Oscar.
Vinda de família pobre e encrenqueira, a já balzaquiana aspirante a boxeadora agarra-se com todas as forças à sua convicção de que pode ser uma das melhores do mundo, desde que seja treinada. A lutadora tem muito trabalho para convencer o mestre a ser seu "chefe", já que não faz parte dos seus costumes treinar mulheres. Na verdade, esse é um reflexo da personalidade super-protetora de Dunn com seus atletas, que já lhe levou a perder seu melhor boxeador. Quando finalmente consegue seu intento, Maggie começa a transformar seu potencial em realidade, rapidamente se tranformando na principal lutadora da academia. Não há como contar muito mais da trama sem entregar boa parte de suas surpresas.
Este é um filme para homens. Clint filma para machos. O fato da história se passar numa academia de boxe, ambiente predominantemente masculino, reforça essa idéia, mas não é sua principal evidência. Não há aqui, em nenhum momento, espaço para choro. Os personagens, que já vêm, todos eles, de grandes surras da vida, apanham e engolem seco o filme todo. E o tempo não parece trazer sempre conforto. Simplesmente vive-se com as dores, sem esperança de curá-las. É um filme um tanto quanto exasperante nesse sentido, mas confesso que não senti isso assistindo-o, no cinema.
Frankie, por sua vez, convive com o desprezo da filha, com quem não fala há muitos anos. A cena em que ele recebe de volta uma carta que não foi entregue é tocante. Poucas vezes senti tanta pena de alguém. Frankie, no entanto, simplesmente a guarda numa caixa, junto a incontáveis outras com o mesmo destino. Em nenhum momento, é explicado o problema entre os dois. Clint prefere mostrar as consequências disso na vida de seu personagem. E elas se refletem em idas diárias à igreja, que terminam invariavelmente com sessões de perguntas cínicas ao padre sobre qualquer tema que envolva fé. O irônico é que o sacerdote sempre lhe recomenda que escreva a sua filha, reconciliando-se. Quando Frankie lhe diz que já fez isso, o padre responde com incredulidade, certo da mentira. O espectador, numa posição privilegiada, pode perceber o conflito entre a falta de fé no perdão e a falta de fé na possiblidade da inexistência dele.
Consegui, mesmo sem ter tentado, achar um defeito nesse filme. A cena crucial, no que tange a trama, passa-se em câmera lenta. Em geral, não gosto desse recurso como forma de sublinhar a importância da cena, mas aqui, o resultado foi especialmente ruim. Posteriormente, "rodei-a" na minha cabeça em velocidade normal e cheguei à conclusão de que seria muito mais impactante assim. Aliás, se fosse acelerada, tenho a impressão de que seria ainda mais, embora tenha certeza de que seria uma extravagância que não combinaria em nada com o filme. Clint atinge seu objetivo. Naquele momento, sabemos que o destino da história está traçado. Mas isso não era necessário, pois o fato em si já é forte o suficiente.
Um personagem secundário, Danger, um adolescente meio retardado que sonha o mesmo que Maggie, embora sem o menor jeito para a coisa, me desagradou bastante durante o filme todo. Parecia servir de elemento cômico, algo totalmente desnecessário e até ridículo. Mas seu final compensa a irritação causada e justifica sua presença.
Este é um filme surpreendentemente belo. Em meio aos golpes da luta e da vida, floresce uma relação complexa. Seria perfeitamente compreensível que o público saísse aos prantos do cinema. Mas não Frankie, nem Maggie, nem Scrap. Nem mesmo Danger. Porque, no universo de Clint Eastwood, homens não choram. Nem meninas.