ecce blog

Odiamos blogs. Quer dizer, odiamos o uso idiota que as pessoas fazem dos blogs. Também odiamos o uso idiota que as pessoas fazem dos fotologs. Quer dizer, odiamos fotologs. Mas adoramos rir deles! O "ecce blog" foi criado como uma forma de dar vazão a nossos impulsos criativos. Não há tema fixo. Há, sim, um tema a se evitar fixo. Não faremos disso um diário virtual. Sim, besteira é permitida. Falar mal dos outros também. Vamos ver até onde vai...

sábado, abril 30, 2005

O governo de todos

Trecho d'O Globo de hoje, página 13:
"O chefe da Casa Civil, José Dirceu, afirmou ontem que o governo Lula não cederá em sua decisão de demarcar a reserva Raposa Serra do Sol, em Roraima, em terras contínuas, e garantiu que a lei será cumprida. Ele disse que é inadmissível a existência de reféns e afirmou que o governo só está negociando porque o caso 'envolve índios'.
- Se fossem só cidadãos o governo já teria agido - disse. Fazer reféns? Não podemos aceitar isso no Brasil. Vai ter uma solução pacífica, com certeza.
(...)
O governo federal pede que os índios soltem os policiais e suspendam os atos de sabotagem contra a homologação da reserva em terras contínuas. Em troca, promete investir mais de R$58 milhões em projetos de agropecuária dentro da reserva."
Ou seja: como se não bastasse gastar o meu dinheiro com um bando de vagabundos (refiro-me a todos os pseudo-índios latifundiários deste país), meu governo agora trata terroristas como super-cidadãos, acima das leis aplicadas a pessoas comuns, entre as quais, humildemente, me incluo.
E eu que pensava que este partido era dos trabalhadores...

quinta-feira, abril 28, 2005

América: O Bovino mal caráter, a cleptomaníaca ?????

Nos últimos tempos, é notório que as novelas exibidas pela Rede Globo estão a cada dia piores, salvo raras exceções. Falo isso com a autoridade que adquiri perdendo o meu tempo em frente a preciosa telinha. Viajamos eu e minha avó, desde a minha infância, no mundo novelesco que a emissora nos proporciona durante as noites. Vivi o dilema de Carlão, virei vampiro com Vlad, adorava ver a reprise de Roque Santeiro e também quis o diamante dos Irmãos Coragem.
As coisa mudaram e o cenário modificou-se. Já há algum tempo, os enredos estão cada vez piores, os personagens, a cada dia, mais toscos e mal construídos.
Mas, apesar disso tudo, a gota d’água que faltava foi a novela "América" e seu Boi Bandido. Já me deparei horas a analisar o porquê desse bovino mal caráter na trama. Uma história esdrúxula sobre um peão perseguido pelo fantasma de seu pai (Um bobão que só lhe falava do tal boi) que fazia profecias do animal que nenhum peão ia montar. Faça-me um favor!
Como se não bastasse, ainda tem o drama da ladra rica. A autora criou todo um dilema existencial em cima da personagem. Se ela queria discutir questões polêmicas, sem dúvidas essa não é uma delas. Queremos morte, ódio e paixão.
Um dos diretores da novela já saiu, tomara que os outros, não só saiam, mas também acabem logo com isso.

Indagação

Onde está Anderson Polga?

quarta-feira, abril 27, 2005

Por favor, parem o Bial!

Pedro Bial é o tipo de pessoa que suscita aquela indagação: O que foi que aconteceu com esse homem?
Ele é formado em jornalismo pela PUC-RJ . Entrou na Rede Globo através de um curso de formação em telejornalismo. Começou no Jornal Hoje, seguindo depois para o Globo Repórter e em 1988 fora residir Londres.
Como se percebe, não há muito tempo atrás, Bial era tido com um dos mais brilhantes jornalistas da Rede Globo. Transformou-se em correspondente internacional da emissora, chegando a cobrir eventos mundiais ímpares em nossa história: A Guerra do Golfo, O Colapso da União Soviética e a Queda do Muro de Berlim.
De uns tempos para cá, as coisas mudaram, Pedro mostrou-se tragado pela terrível ordem da massificação. Virou apresentador e defensor árduo do programa Big Brother Brasil, chegando até a discutir, ao vivo, com um dos participantes do famigerado quadro, para defender e guardar a integridade de sua obra.
E Não satisfeito, Bial resolveu ingressar na nobre carreira da bajulação. Escreveu um livro sobre a vida de nada mais, nada menos que o seu chefe. Não resta dúvidas que ele assumiu e incorporou tal posto. Em recente comemoração dos 40 anos da maior rede de televisão, lá estava Pedro diante de tantos outros a exaltar as qualidades do seu Boss.
A Carreira de Pedro Bial está descendo ladeira abaixo. Por favor, rogo aos sensatos: Parem o Bial!

domingo, abril 24, 2005

Os cara grande

Havia, no condomínio em que morava, durante minha infância, uma ditadura cruel. Quando os cara grande chegavam na quadra de futebol, éramos obrigados a sair. Só os que jogavam um pouco melhor eventualmente continuavam para completar os times. Isso fazia com que fôssemos obrigados a jogar bola a partir de duas horas da tarde, sob o céu escaldante, sempre descalços.
Tudo isso deve ter exercido grande influência na minha vida. Se um dia escrever uma autobiografia, não me deixem esquecer esses fatos.

sábado, abril 23, 2005

Carta à África

Nobres africanos,

Venho por meio desta desautorizar as palavras do meu sábio governante relativas à minha pessoa. O nobre senhor, ao falar em nome da nação, cometeu o pequeno deslize de esquecer de nos consultar a respeito.
Como não era nascido nos idos de 1500, creio não ter contribuído muito para o processo da escravização de seus descendentes.
Além disso, tendo em vista que vocês mesmos capturavam seus semelhantes para vendê-los aos europeus, quero acreditar que a prática era, de certa forma, parte de sua cultura também.
Gostaria de deixar claro que vocês não precisam dar-se o trabalho de me desculpar por nada. Entendo perfeitamente que seu tempo é inteiramente gasto em guerras tribais e tráfico de diamantes, de forma que qualquer ajuda neste sentido já deve ser um alívio. E, afinal de contas, são mais de 160 milhões para perdoar.
Certo de sua compreensão,

Eduardo Gustini Simões, integrante do povo brasileiro

Crítica: "Zatoichi"

Zatoichi, o samurai cego (!!!) é um personagem clássico da ficção japonesa. Tendo estrelado vários filmes a partir da década de 60, e protagonizado uma série de televisão, sua figura é célebre no Japão. Desta vez, é Takeshi Kitano, provavelmente o mais importante diretor japonês vivo, quem contribui para a sua saga.
Neste conto, Zatoichi ajuda um casal de irmãos a vingar a morte dos pais e uma vila a libertar-se da gangue que a oprime.
A sequência inicial indica o que está por vir, com o protagonista derrotando um bando de malfeitores sozinho. Tudo com um tom daquele humor propriamente oriental, de gritos desesperados e olhos esbugalhados.
É o bizarro quem guia este filme. Dificilmente poderia ser diferente, dada a própria natureza do personagem principal. Mas Kitano força a coisa ao limite introduzindo elementos ainda mais esquisitos. Está lá o casal de irmãos que, fantasiados de gueixas, procuram encontrar os assassinos dos pais. As sequências de luta, sempre exageradas e espirrando sangue (às vezes mais que só isso) também são surreais.
E, principalmente, há a casa de jogos. No caso, trata-se de um jogo de dados em que os apostadores simplesmente têm que acertar se o número sorteado é par ou ímpar. A não ser que a legenda estivesse horrível, é meio difícil acreditar que a casa pudesse lucrar alguma coisa com uma taxa de acertos de 50%. Mais incrível ainda é o azar absurdo do sobrinho da senhora que abriga Zatoichi. O sujeito, elemento loser da trama, simplesmente não consegue ganhar um tostão. Até que chega o protagonista que, por ouvir o barulho dos dados, ajuda-o a não perder mais nenhuma. E, quando os donos do lugar resolvem trapacear usando dados viciados, é essa capacidade que permite a Zatoichi dar-lhes o troco, na carnificina que é a melhor sequência do filme, apesar da computação gráfica muito mal-feita.
Se o cinema oriental costuma causar um certo desconforto pelo ritmo totalmente diferente, aqui este papel cabe às próprias noções de honra e moral, completamente invertidas. Zatoichi, o herói da história, não exita em cortar o braço do chefão do jogo nem de provocar um verdadeiro banho de sangue em quem aparece pela frente. Uma cara por um olho, uma boca por um dente em oposição ao princípio da proporcionalidade entre penas e delitos, tão cara a nós ocidentais.
Sobra, ao fim do último quadro (e durante este), uma sensação tremenda de estranhamento. Um inevitável franzir de sobrancelhas. E, pelo menos no meu caso, acompanhado de um sorriso de satisfação.

Filme visto no Usina, Belo Horizonte, a 02 de Abril de 2005

sexta-feira, abril 22, 2005

Crítica: "Sobre Café e Cigarros"

Série de curtas de Jim Jasmusch. A uní-los, uma mesa, conversas ordinárias, celebridades, café e cigarros. E a fotografia em preto-e-branco.
Não há ligação entre as histórias, além do tema. Na verdade, não é exatamente um tema, mas muito mais uma ambientação. Entre um gole, uma tragada e outro gole, trivialidades como uma aparelhagem de Física contruída por Jack White (do White Stripes, uma das melhores bandas do mundo hoje), uma consulta ao dentista de Roberto Benigni e a falta de assunto e sintonia entre Tom Waits e Iggy Pop.
Os curtas variam muito em interesse. O último, dois velhinhos num intervalo do trabalho, por exemplo, é bem fraco. Assim como o de Jack e Meg White. Este ainda tem como agravante mostrar de perto a baterista, quebrando o encanto que me fazia achá-la linda.
Há também os razoáveis ou indiferentes, como o inicial, com Roberto Benigni, totalmente insano, lembrando muito o chá entre o Chapeleiro e a Lebre Maluca em "Alice no País das Maravilhas". Ou o encontro bastante desconfortável e surreal entre Tom Waits e Iggy Pop, aparentemente sem nenhum porquê.
Mas há também alguns filminhos muito bons. Um dos melhores é o protagonizado por Cate Blanchett, interpretando tanto ela mesma quanto uma prima não famosa, num hall de hotel. A australiana dá um show em ambos os papéis e está absurdamente linda como ela própria. Outro excelente é o encontro entre Alfred Molina e Steve Coogan. O primeiro quer informar ao segundo que encontrou ligações genealógicas entre os dois. Coogan sente-se absolutamente entediado até que se dá conta das ligações de Molina em Hollywood. Hilário e genial.
A câmera é sempre destaque. Filmes em preto-e-branco são raridade nestes dias de cinema digital. E a fotografia, aqui, é linda. As tomadas de cima, mostrando a (des) arrumação das mesas são sempre maravilhosas.
O elenco ultra-estelar é outro óbvio ponto de realce. Não é todo dia que se vê tantos (mas tantos mesmo!) astros do cinema e da música juntos fora da premiação do Oscar.
Para mim, no final, o resultado é positivo, mas por pouco. "Sobre Café e Cigarros" é um filme despretensioso até demais, beirando o displicente. Um clima que combina perfeitamente com o mote, no final das contas. Mas que pode, e deve, irritar a grande maioria do público.

Filme visto no Usina, Belo Horizonte, a 02 de Abril de 2005

quarta-feira, abril 20, 2005

Úuuuuuuh!

A torcida apreensiva era só alegria.
O narrador entusiasmado gritava aos berros:
- Estamos a um passo de uma conquista histórica. Papa essa Brasiiil!
Aparecem os homens na sacada e é anunciado o resultado:
- Habemus Papa (...) dominatele Joseph Ratzinger
ÚUUUUUUH! Foram os gritos dos brasileiros.
- Filha da puta! Pipoqueiro! Foram as palavras de ordem que se seguiram.
Aos poucos as pessoas retornaram as suas casas e a praça com o telão ficou vazia novamente.
Os dois últimos que se retiravam ainda teciam alguns comentários
- Não rapaz. Fique tranqüilo. Cláudio Humes é brasileiro e não desiste nunca.

sexta-feira, abril 15, 2005

Lula: “ O Imperialista”

Nosso presidente é no mínimo pitoresco, a palavra perfeita que encontrei para decrevê-lo seria Pândego.
Sem qualquer resquício de dúvida, ele está se divertindo em ser o Presidente do nosso grandioso país. Entre uma cachacinha, um vinho, um chope, sua cara de satisfação até nos alegra em saber que pelo menos alguém aqui está feliz.
Em sua recente visita a África, Lula fez uma declaração que só os "grandes chefes políticos" fazem. Pediu perdão ao continente africano pelos anos de escravidão.
Mas o que Lula(nordestino, sem dedo, operário, barbudo) tem haver com isso? Talvez, agora Chefe de Estado da promissora potência Brasil esteja sentindo os ares do Imperialismo.

Plínio Voadora.

Plínio fugiu de casa aos oito anos de idade, fugiu na verdade de um pai violento que espancava sempre que podia, ele e sua mãe. A última imagem que levou na mente foi uma baita voadora que seu pai aplicou na esposa.
Virou cidadão da rua, conheceu todos os caminhos e descaminhos que só a miséria podia lhe apresentar.
Com o passar dos anos, a loucura o visitou e se alojou. Vivia fétido e agressivo a mendigar por um copo de cachaça.
Nos tempos vagos, os que ele não mendigava, botava em prática sua loucura, que consistia em aplicar voadoras repentinas nas pessoas que passavam. Quase sempre, "Plínio Voadora" como passou a ser chamado, era castigado violentamente pela população. Mas, logo que se recuperava, lá estava ele novamente a voar sobre os demais, jovens, crianças, mulheres, aleijados, velhos, adultos. Tratava a todos igualmente.
E numa dessas voltas que o mundo dá, um dos membros do Comitê Olímpico brasileiro, ao presenciar Plínio Voadora em ação, reconheceu um talento nato, levou para incorporar a delegação olímpica brasileira.
Os olhos do povo brasileiro estavam atentos para aquela final no solo da ginástica olímpica. O Brasil não tinha conseguido nenhum ouro e era a sua última chance.
A ginasta brasileira realizou sua apresentação primorosamente, mas ainda faltava a russa, a favorita que começou a se apresentar de forma esplêndida.
A tragédia anunciada tomava formas reais quando alguém deu o sinal. Plínio Voadora saiu do meio dos torcedores, avançou sobre o solo e voou com a perna erguida sobre a russa que dava um mortal fantástico. Foi batata! A russa no chão com a perna quebrada e a ginasta brasileira e Plínio Voadora nos braços do povo.
Na chegada ao aeroporto foi recebido como herói. Milhares de pessoas gritavam seu nome ao som do famoso Brasisilsilsilsilsilsilsilsil!
Teve todas as honrarias que lhe deviam. Virou cidadão, venceu na vida.

segunda-feira, abril 11, 2005

Caloura

Há muito tempo não acordava tão animada. Nem o toque do despertador, praticamente uma manhã mais cedo que o habitual, foi suficiente para tirar-lhe o ânimo. "Vida nova", pensou.
Nos dois meses de descanso que agora se encerravam, criara grande espectativas. Nada de meninos idiotas. Muito menos reclamação humilhantes aos pais. Sair da sala pra beber água (imagina!) seria algo trivial.
Diziam até que os professores eram mais soltos. Não reclamavam de bagunça (afinal, todos ali já eram adultos). Contavam piadas sujas, inclusive!
Ao final do dia, estava radiante. O ano que viria seria muito melhor que o que passara. Os colegas até foram tomar uma cerveja depois da aula. O primeiro dia no cursinho havia sido melhor que o esperado!

sábado, abril 09, 2005

Crítica: "Contra a Parede"

Cahit é um catador de garrafas numa boate alemã. Logo no início do filme, tenta se matar batendo o carro num muro. Na clínica para recuperação à qual é forçado a frequentar devido à tentativa de suicídio, conhece Sibel. O primeiro contato entre os dois é um pedido de casamento, feito pela moça. Mais tarde, descobre-se que Sibel, assim como Cahit, é de origem turca e quer casar com este para fugir da repressão dos pais. O casamento seria apenas uma fachada. Na verdade, o que a jovem quer, é "não ter que transar com apenas um homem". Como Cahit reluta em sequer conhecê-la, Sibel apela para a chantagem. Numa cena muito, muito forte, após ouvir mais uma recusa a sua proposta, corta os pulsos com caco de vidro no meio de um restaurante. Tudo filmado, tudo mostrado. Feito para incomodar. E incomoda.
Após conseguir seu intento, o sonho de Sibel torna-se realidade. Passa a morar com o marido no apartamento deste, o perfeito retrato do caos da vida do dono. Como é natural das mulheres, a nova moradora faz uma completa mudança estética na casa. E começa a transar com todos os homens que encontra pela frente. Enquanto isso, como já se pode imaginar, Cahit começa a gostar da esposa e a se incomodar com sua promiscuidade. Os dois vivem esse desencontro até transarem. Quando tudo parece se ajustar, Cahit mata um homem por ciúmes e vai preso. É quando começa o núcleo Istambul do filme, com Sibel passando a morar com uma prima turca, enquanto espera o amado.
O que destaca "Contra a Parede"dos dramalhões habituais é que aqui, diferentemente da maioria dos filmes do gênero, não há espaço para que se sinta pena dos personagens. Eles não são vítimas. Tanto Cahit quanto Sibel apanham, e muito, da vida, mas cada golpe recebido é um revide e não um ataque do destino ou do acaso. Os dois são responsáveis por cada sofrimento por que passam, por cada surra que levam. Numa das cenas mais fortes do filme, registrada com proximidade e realismo, Sibel é espancada e esfaqueada por um bando de vagabundos em Istambul por tê-los insultado e (cúmulo das ofensas para os muçulmanos) a suas famílias. Um crime, uma brutalidade, violência sem igual. Tudo, menos sem motivo. Semelhanças, nesse sentido, com o magistral "Menina de Ouro".
A atriz principal, a alemã de vinte e poucos anos Sibel Kekilli é, possivelmente, a maior atração para o público masculino. Linda, com nariz de turca e tudo. Indescritivelmente gostosa. Muito, mas muito boa mesmo. Deixa para trás muita brasileira orgulhosa da bunda que tem. Após o lançamento do filme, descobriu-se que a atriz havia trabalhado em filmes pornô, sob o pseudônimo de Dilara. Infelizmente, ainda não consegui assistir a estes.
O fato do filme se passar em Hamburgo é apenas um detalhe, mas valioso. O próprio diretor Faith Akin é nascido na cidade, o que empresta um ar maior de sinceridade à trama. Além disso, o simples fato de não ser rodado em Berlim, como quase todos os filmes alemães que chegam até aqui, já foge um pouco do lugar comum. Não que a mudança seja perceptível. Eu, pelo menos, não teria percebido caso não me fosse dito. Além disso, a semelhança com os espaços urbanos brasileiros é grande. Nada com aquele ar super-limpo de Nova York, por exemplo. Os prédios são meio decadentes, os bares, todos sujos e o apartamento de Cahit, uma extensão amplificada disso.
Para mim um dos melhores filmes do ano até aqui, "Contra a Parede" é um filme honesto, adulto e bem-feito. Boas atuações, uma boa história, um bom final, uma trilha excelente. E uma abordagem não tão habitual de uma questão bastante em voga: o desconforto com as raízes e a vida um tanto quanto marginalizada dos imigrantes longe da pátria. Temas com certeza bastante familiares para Akin: o diretor é alemão filho de turcos, assim como os protagonistas.


Filme visto no Belas Artes, Belo Horizonte, a 1 de Abril de 2005

quarta-feira, abril 06, 2005

O Papa é pop.

Há um certo tempo o mundo acompanhava a agonia do velho cardeal. A Comunidade Católica sofria juntamente com aquele que, em tese, é a maior autoridade dessa Instituição. Apesar de decrépito, ele era persistente, venceu a morte por diversas vezes. Nem pela queda no banheiro, nem pelo tiro de um falso fanático, o homem se foi.
No dia 02/04/2005 essa batalha pela vida acabou, morreu Karol Wojtyla, acometido por um choque séptico (infecção eneralizada) e colapso cardiovascular irreversível deixando o mundo apostólico romano triste e choroso.
Apesar da minha descrença, até gostava do velho. Diferentemente dos outros Papas, este até era melhorzinho, mas toda essa parafernália que estão fazendo em cima da morte do Homem é difícil de engolir à seco. Afinal ele era padre ou era mega-ultra-hiper-popstar da música Internacional? Aliás, a própria imprensa descaradamente o chama de o Papa postar.
O que não suporto mais é a insistência no assunto. Há cinco dias a televisão passa e repassa a mesma coisa sobre o velho.
É como se o Brasil parasse de existir. A chacina na Baixada Fluminense é um dos fatos que merecem destaque pela imprensa. Pelo que eu sei o papa e toda sua gangue deveriam ensinar e passar justamente a insatisfação diante de tais fatos. Ninguém não está nem aí por causa das trinta pessoas que morreram, mas choram copiosamente por causa de uma, que apesar de ser o Papa, é um homem comum. A Idade Média Acabou.
Agora, como se não bastasse, existe a possibilidade de um argentino ser o Papa.
Pelo amor de Deus! De argentino já basta Tévez, Sebá e Daniel Passarela.

segunda-feira, abril 04, 2005

Crítica: "Machuca"

Gonzalo Infante estuda num colégio comandado por um padre aparentemente inglês e de bom coração. A instituição, frequentada por garotos de classe alta, como Gonzalo, procurando promover a integração dos alunos com crianças de castas diferentes, oferece algumas bolsas de estudo para alunos carentes. É por meio delas que ingressa Pedro Machuca, morador dos imundos subúrbios de Santiago.
Inicialmente prevenido de qualquer contato com os colegas por uma casca de auto-proteção, Machuca está sempre de cara fechada. No entanto, faz amizade com Gonzalo depois deste lhe dar cola numa prova. O mesmo não acontece com a turma nariz-empinado do colégio, liderada por um menino-loirinho-com-cara-de-cínico. Bom, esta parte da história já é conhecida de outros carnavais. O que importa aqui é a outra.
A amizade entre os dois garotos começa a ficar mais forte quando Gonzalo acompanha o amigo, seu tio e sua prima mais velha, Silvana, numa passeata pró-Allende e numa pró-militares. A família vende bandeirinhas, ora do Chile, ora do Partido Comunista, na, provavelmente, melhor passagem do filme.
Santiago, fervilhando às vésperas do golpe militar da década de 70, é um dos destaques do filme. A reconstituição das passeatas dos dois lados são excelentes (muito embora não tenha base para afirmar se são realistas). O pano de fundo histórico, fundamental para o desenvolvimento da trama, fornece os melhores momentos. Ver o pai de Gonzalo escondido por motivos políticos, numa cena tão familiar para os brasileiros, acontecendo do outro lado dos Andes é um tanto quanto diferente e, sem dúvidas, muito interessante. Sempre bom entrar em contato com a história dos vizinhos mais latinos, quase desconhecida por nós.
À medida que os laços entre os garotos se estreitam, passam a frequentar a casa um do outro e a fazer as descobertas próprias dessa fase da vida juntos. Tomam o primeiro gole de álcool na casa de Gonzalo, numa festa dada pela irmã vadia deste. Dão os primeiros beijos também à mesma época, na mesma menina (Silvana, a prima mais velha de Machuca), do mesmo jeito (com o auxílio de uma lata de leite condensado, artigo de luxo na época).
Mas o foco mesmo são as diferenças. É notório o desconforto de ambos os lados quando em contato com a realidade alheia. Silvana seria o braço armado do descontentamento. Com a raiva típica dos menos favorecidos, a garota até faz uma força para aceitar o convívio com Gonzalo, mas acaba, quase sempre, se rendendo à rebeldia ressentida por não ter as mesmas chances. Ressentimento difarçado de orgulho, como se fosse melhor que o amigo simplesmente por ter que suportar mais dificuldades que este.
O saldo final, por mais que hajam momentos de sincera amizade, é de impossibilidade de convivência. As diferenças falam mais alto. Triste, mas muitas vezes, verdadeiro.

Filme visto no Belas Artes, Belo Horizonte, a 11 de Março de 2005

sexta-feira, abril 01, 2005

Crítica: "Mar Adentro"

Esta é a história real de Ramón Sanpedro, paralítico do pescoço para baixo desde jovem. Melhor filme estrangeiro de 2004 para a Academia, traz consigo uma atuação excelente do ator principal, ótima direção e um trabalho de maquiagem surpreendente.
Ramón, na época em que se passa o filme, já tem meio século de vida e convive com a paralisia há mais de 30. Preso numa cama, incapaz de mover qualquer parte do corpo além da cabeça, ele é uma mistura de amargura, resignação e sábio da montanha. Tem certeza de que deseja morrer, mas não se mata por absoluta incapacidade. Seus familiares e amigos também não o podem ajudar, pois a prática da eutanásia é proibida na Espanha, onde vivem, assim como na maior parte do mundo fora da Holanda.
A família de Ramón, que cuida dele com total amor, é uma história à parte dentro do filme. Dividida na opinião sobre sua resolução, a família parece ser o único ponto de conflito em toda a história. O irmão mais velho é o único que se posiciona contra Ramón e, provavelmente de forma intencional, é pintado como o mais ignorante da casa. O modo como o protagonista destrói seus fracos argumentos ("nós cuidamos de você esse tempo todo só para você se matar no final?") chega a dar pena. Da mesma forma idiotizada é tratado o único outro ponto de discordância, representado pela igreja na figura de um padre também paralítico. Perde-se, assim, uma ótima oportunidade de discussão, o que é uma pena.
Destaca-se na trama a aura magnética de Ramón, o que resulta num elevado número de personagens importantes, todos reunidos em torno dele. Além dos familiares, há a advogada que, contratada para defender sua causa, acaba mais ligada a ele do que seria de se supor e uma amiga-admiradora extremamente irritante.
A câmera, totalmente fechada no protagonista nas cenas em que este está sobre a cama, discutindo eutanásia com quem quer que seja, abre-se em vôo nos momentos em que este imagina-se revisitando o mar que tanto amava e que, de certa forma, lhe tirou a vida. Recurso usado mais de uma vez, mas, de forma alguma, cansativo ou inoportuno.
Maravilhosas, também, são a maquiagem e a atuação de Javier Bardem. Ator já bastante rodado, sua presença cresce na tela de maneira impressionante, seja pelo olhar (perfeito, indescritível), seja pela forma calma e firme de falar, seja pela simples e poderosa imobilidade. Prêmio de melhor ator em Veneza e no Globo de Ouro. E, não fosse pelas cenas em flashback, seria impossível afirmar que a pessoa sobre a cama, tem, na verdade, pouco mais de 35 anos. Trabalho de maquiagem reconhecido, aliás, com uma indicação ao Oscar.
Diferentemente do que se poderia, de forma fácil, afirmar, "Mar Adentro" não é uma discussão sobre eutanásia. É um filme sobre eutanásia com uma posição clara em relação ao tema e que não dá voz às outras visões possíveis. Acredito que seja possível sair do cinema com uma sensação de opinião formada sobre o assunto, resultado de uma suposta conclusão a que chega o filme. No entanto, o que o diretor chileno Alejandro Almenábar faz é expor o seu ponto de vista do início ao fim. Não que isso seja um ponto fraco do filme. Nem um forte. Mas simplesmente não se pode chegar a conclusões sem discussões.

Filme visto no Belas Artes, Belo Horizonte, a 1 de Março de 2005