ecce blog

Odiamos blogs. Quer dizer, odiamos o uso idiota que as pessoas fazem dos blogs. Também odiamos o uso idiota que as pessoas fazem dos fotologs. Quer dizer, odiamos fotologs. Mas adoramos rir deles! O "ecce blog" foi criado como uma forma de dar vazão a nossos impulsos criativos. Não há tema fixo. Há, sim, um tema a se evitar fixo. Não faremos disso um diário virtual. Sim, besteira é permitida. Falar mal dos outros também. Vamos ver até onde vai...

sexta-feira, novembro 25, 2005

Ação e Reação

Nessa de brasileiro comemorar Dia de Ação de Graças, fui posto a tecer considerações: Claro, é óbvio que estamos agradecendo as "graças" que nos foram e são "concedidas" ou conseguidas, entretanto, isso podemos fazer todo dia e a qualquer hora. Mas, realizamos logo na data comemorativa dos Estados Unidos da América, logo estamos a imitá-los, mesmo que não seja transparente a intenção. E, como festas comemorativas nos remontam a origem delas, temos então a origem de nossa festa: A NOSSA DESGRAÇA. Pois, se os EUA estavam a festejar para agradecer as suas graças, com certeza, para nós, tratavam-se de legítimas DESGRAÇAS.

quarta-feira, novembro 23, 2005

Frustações, Saudades, Lembranças e Revelações

21 anos vividos. Tantos ou poucos por viver. A infância de ontem ainda grita aos ouvidos saudosos, embora agora, responsáveis. Na minha infância, vivi a fabulosa aventura da imaginação. Lutei contra as ondas do mar, soldados fictícios enviados por Netuno, me preparei juntamente com os companheiros para a iminente guerra com a Rua do Filtro, desvendei com meu irmão, o caso dos "Maconheiros do Cemitério" e a venda de mármore, consultei o além sobre a vida terrena através de um compasso.
Mas, nada se compara a mais psicodélica das experiências: ser um baixinho do inimitável "Show da Xuxa". Quando a nave espacial descia e a música: "Bom dia amiguinhos, já estou aqui, eu tenho muitas coisas pra nos divertir..." a alegria inundava a alma infantil. Passar as manhãs com Praga, Dengue, as Paquitas, e até mesmo os Paquitos era a coisa mais esperada pelas crianças brasileiras.
Em meio a esse vendaval de lembranças, descobri que sou amigo de uma testemunha viva desta marcante época do Brasil, que esteve lá participando da gravação de um dos programas, como legítima baixinha que era, descobri também que as coisas não eram tão felizes como se apresentavam.
Informou-me a testemunha que as Paquitas e os Paquitos eram geralmente grossos, com exceções de Cátia, Juliana Baroni e Alexandre. Falou que os programas eram gravados à noite e os "baixinhos" tinha que ficar acordados madrugada adentro, relatou sobre a frustação de não usufruir dos brinquedos e do café da manhã maravilhoso que Xuxa só pegava uma uva e deixava os "baixinhos" a se esgoelarem por um pedaço de pão ou um copo de suco. O mundo do delírio não era tão fantástico como se apresentava.
Eu que acompanhei tudo de longe e sempre esperava na janela, a nave espacial de Xuxa passar, hoje me pergunto: De qual lugar do universo veio esta mulher e sua nave? Até onde Xuxa moldou nossa personalidade?

quinta-feira, novembro 17, 2005

Precaução

Estava angustiado fazia uma semana. A oportunidade daquela noite seria perfeita, não poderia desperdiçar. Mas, e os conselhos de seus amigos? Eles tinham alguma razão. Não poderia se arriscar tanto. Pensou melhor e tomou uma decisão, seria naquele dia mesmo, mas tomaria a devida precaução.
Lindinei elaboraria um Contrato de Namoro, que Perla teria que assinar antes de aceitar seu pedido.
Vestiu-se impecavelmente e foi ao seu encontro. Perla, ao ouvir a proposta de Lindinei, achou um absurdo, mas depois de ler o art. 5º, achou justo, e aderiu ao contrato e as carícias de Lindinei.

domingo, novembro 13, 2005

Crítica: "Cidade Baixa"

Triângulos amorosos são lugares geométricos mais que comuns não só no cinema, como também na literatura e no teatro. Difícil imaginar que um bom filme ainda se sustente com esse argumento. Bom saber que "Cidade Baixa", longa do relativamente experiente (ao menos como roteirista) Sérgio Machado não se trata disso. Ou melhor, não somente. "Cidade Baixa" é um triângulo amoroso entre uma prostituta e dois grandes amigos... na região portuária de Salvador!
Sempre achei Salvador uma das maiores cidades do mundo, mesmo sem conhecê-la o suficiente para afirmar isso (e muito menos todas as outras). No total, somando todas as vezes em que lá estive, devo ter passado aproximadamente duas semanas na capital da Bahia. Mas conhecer aspectos da vida soteropolitana como a Fonte Nova, as caminhadas na Orla, as praias imprestáveis (ao menos para quem está acostumado a Ilhéus), a maravilha da humanidade chamada Pelourinho (ainda mais maravilhosa depois de se conhecer lugares deprimentes como Ouro Preto) e a experiência cotidiana da Estação da Lapa foi suficiente para me tornar grande admirador da cidade. O fato de morar hoje numa cidade em que a crise de identidade e a choradeira por não ser tão importante quanto suas vizinhas São Paulo e Rio é parte da própria cultura local me ajuda a admirar ainda mais a auto-confiança da metrópole baiana.
O que faz de "Cidade Baixa" um filme desde já fundamental, finalmente, é Salvador. Finalmente, aí está Salvador! Tudo bem, uma parte da cidade. Não há, no filme, nem menção ao Aeroclube ou aos shoppings. Tudo se passa ali mesmo, na sujeira e na pobreza (mas não miséria) do cais. E está tudo ali e ali está aqui. É a Bahia suja mas não imunda, suja e fedendo a camarão. É a Bahia de verdade. E, por mais que Salvador não seja Bahia, a Cidade Baixa é. É a Bahia com seus sons, suas cores (nada mais verdadeiro que as casas e os barcos azuis e brancas de perto do porto, muito mais que o colorido do Olodum) e seus cheiros. E com seus tipos reais. O baiano de "Cidade Baixa" é o baiano de verdade, aquela figura que, junto com o carioca e o pernambucano, fornece o retrato mais próximo que se pode ter do Brasil usando-se apenas três figuras emblemáticas.
Se a caracterização é o ponto forte do filme, em alguns momentos o excesso de preocupação nesse sentido atrapalha e incomoda. "Um a Zero pro Vitória, gol de Obina" passa um pouco da conta...
Também me incomoda o excesso de câmera na mão. Novos diretores precisam entender que nem todos têm o talento suficiente para segurar o equipamento como um Lars Von Trier sem causar náuseas no público. E que o fato de a câmera estar apoiada às vezes num tripé não significa que as idéias estejam necessariamente ausentes da cabeça.
Outro detalhe desnecessário diz respeito à grande quantidade de tomadas documentais, in loco. Como se não confiasse na perfeita interpretação de seus protagonistas, Sérgio Machado a todo momento exibe imagens de baianas transportando roupas na cabeça, crianças correndo descalças, feirantes negociando nos mercados e velhas observando a vida do alto de sobrados. Como quem diz: "estão vendo? É tudo verdade". Não havia necessidade. Wagner Moura, em "Cidade Baixa", é o baiano em estado puro.
E é ele, na minha opinião, quem rouba a cena no filme. Ouví-lo falando com todas as gírias e palavrões do baianês verdadeiro é uma volta às origens para qualquer baiano exilado. A cada tirada incompreensível para os mineiros ao meu redor, eu ria alto na sala praticamente vazia. Auto-afirmação?
Sua autenticidade no papel contrapõe o um tanto aculturado Lázaro Ramos. Apesar de bom ator (embora, na minha opinião, super-valorizado por ter feito boa parte dos bons papéis do cinema nacional recente), é claramente perceptível seu sotaque muitas vezes contido, de quem tenta sufocar a forma de falar para torná-la mais palatável a seus interlocutores.
E vem da necessidade de manter a veracidade a qualquer prova uma das maiores sacadas do roteiro. Durante as primeiras cenas, quando as coisas ainda não estavam bem explicadas, detestei a escolha de Alice Braga para o papel simplesmente porque seu sotaque era irritantemente paulista. Até que é revelado: Karina, sua personagem, é de Vitória. Sim! Ao fazer sua personagem vir do estado provavelmente mais sem identidade do país, o filme a libera de tentativas de imitação da fala baiana que invariavelmente resultam em emulações constrangedoras do sotaque pernambucano.
Insisto tanto na questão da forma de falar porque acredito que, sem a caracterização perfeita que faz da região que retrata, este filme não precisaria nem mesmo existir. E o sotaque baiano, em "Cidade Baixa" é o que de mais perfeito se conseguiu atingir em termos de representação do povo. Não que a fotografia, as locações e até mesmo a sonoridade do filme sejam ruins. São magníficos. Mas, verdadeiramente, de nada adiantaria o retrato minucioso dos almoços entupidos de farinha sem falas como "Marinalva tem um rabão da porra, né não?". Um simples artigo definido feminino no início da frase colocaria tudo a perder. O personagem de Dois Mundos é a mais perfeita síntese disso. Sem exageros, vale o ingresso.
Roteiro discreto, boa direção, excelente fotografia, atuações magistrais e o mais perfeito trabalho de estudo pré-filmagem que já vi, fazem deste filme o melhor do cinema nacional num dos seus melhores anos. Ainda não vi "Cinema, Aspirinas e Urubus" nem "Crime Delicado", dos quais andam falando muito bem, mas acho que dificilmente eles podem chegar perto de pagar a sensação de volta pra casa que Sérgio Machado e sua equipe me proporcionaram por alguns instantes.
Com "Cidade Baixa", a Bahia finalmente se liberta da novela das nove. Posso afirmar que o estado está bem melhor assim.


Filme visto no Del Rey, Belo Horizonte, a 12 de Novembro de 2005

PS: texto dedicado a Cícero e Laurinha