ecce blog

Odiamos blogs. Quer dizer, odiamos o uso idiota que as pessoas fazem dos blogs. Também odiamos o uso idiota que as pessoas fazem dos fotologs. Quer dizer, odiamos fotologs. Mas adoramos rir deles! O "ecce blog" foi criado como uma forma de dar vazão a nossos impulsos criativos. Não há tema fixo. Há, sim, um tema a se evitar fixo. Não faremos disso um diário virtual. Sim, besteira é permitida. Falar mal dos outros também. Vamos ver até onde vai...

segunda-feira, fevereiro 28, 2005

Crítica: "Menina de Ouro"

Escrevo após a entrega dos prêmios da Academia. "Menina de Ouro" levou os dois mais importantes, Filme e Diretor, além de melhores ator coadjuvante e atriz. Prêmios, todos eles, absolutamente merecidos.
Clint Eastwodd interpreta maravilhosamente um velho treinador de boxe, Frankie Dunn, às voltas com uma nova aluna, Maggie Fitzgerald, na interpretação perfeita de Hilary Swank, que lhe valeu o Oscar.
Vinda de família pobre e encrenqueira, a já balzaquiana aspirante a boxeadora agarra-se com todas as forças à sua convicção de que pode ser uma das melhores do mundo, desde que seja treinada. A lutadora tem muito trabalho para convencer o mestre a ser seu "chefe", já que não faz parte dos seus costumes treinar mulheres. Na verdade, esse é um reflexo da personalidade super-protetora de Dunn com seus atletas, que já lhe levou a perder seu melhor boxeador. Quando finalmente consegue seu intento, Maggie começa a transformar seu potencial em realidade, rapidamente se tranformando na principal lutadora da academia. Não há como contar muito mais da trama sem entregar boa parte de suas surpresas.
Este é um filme para homens. Clint filma para machos. O fato da história se passar numa academia de boxe, ambiente predominantemente masculino, reforça essa idéia, mas não é sua principal evidência. Não há aqui, em nenhum momento, espaço para choro. Os personagens, que já vêm, todos eles, de grandes surras da vida, apanham e engolem seco o filme todo. E o tempo não parece trazer sempre conforto. Simplesmente vive-se com as dores, sem esperança de curá-las. É um filme um tanto quanto exasperante nesse sentido, mas confesso que não senti isso assistindo-o, no cinema.
E nenhum golpe recebido por Maggie em suas lutas é mais doloroso que o desprezo da família com sua nova profissão. A forma de agradecimento encontrada por sua mãe, ao receber as chaves da casa dada de presente é perguntar porque ela não lhe deu o dinheiro e dizer que os vizinhos estão rindo de sua ocupação. "Porque você não arruma um marido?".
Frankie, por sua vez, convive com o desprezo da filha, com quem não fala há muitos anos. A cena em que ele recebe de volta uma carta que não foi entregue é tocante. Poucas vezes senti tanta pena de alguém. Frankie, no entanto, simplesmente a guarda numa caixa, junto a incontáveis outras com o mesmo destino. Em nenhum momento, é explicado o problema entre os dois. Clint prefere mostrar as consequências disso na vida de seu personagem. E elas se refletem em idas diárias à igreja, que terminam invariavelmente com sessões de perguntas cínicas ao padre sobre qualquer tema que envolva fé. O irônico é que o sacerdote sempre lhe recomenda que escreva a sua filha, reconciliando-se. Quando Frankie lhe diz que já fez isso, o padre responde com incredulidade, certo da mentira. O espectador, numa posição privilegiada, pode perceber o conflito entre a falta de fé no perdão e a falta de fé na possiblidade da inexistência dele.
O filme é todo narrado pelo personagem do grande Morgan Freeman, o lutador veterano aposentado Scrap, antes pupilo de Frankie, hoje zelador de seu ginásio. Scrap parece ser uma das fontes do trauma do treinador, uma vez que perdeu a visão de um olho numa luta. A relação entre os dois é um dos pontos fortes do filme. Tantos anos eliminam a necessidade de sutilezas nos tratos mútuos. As palavras usadas são fortes e sinceras, o que não abala uma amizade que parece ser calcada principalmente no respeito e admiração que um nutre pelo outro. Não esse respeito que nos é apregoado hoje, de ouvir calado tudo o que o outro fala e de falar sempre com cuidado, evitando certos temas e tons. É, isso, sim, o respeito dos grandes lutadores, prestes a desferir golpes uns nos outros. Não que Frankie e Scrap vivam para se digladiar. Simplesmente, não exitam em revidar, principalmente quando percebem que o amigo precisa disso. E o fato de serem Clint Eastwood e Morgan Freeman, ambos com mais de 65 anos, confere credibilidade ainda maior a tudo.
Consegui, mesmo sem ter tentado, achar um defeito nesse filme. A cena crucial, no que tange a trama, passa-se em câmera lenta. Em geral, não gosto desse recurso como forma de sublinhar a importância da cena, mas aqui, o resultado foi especialmente ruim. Posteriormente, "rodei-a" na minha cabeça em velocidade normal e cheguei à conclusão de que seria muito mais impactante assim. Aliás, se fosse acelerada, tenho a impressão de que seria ainda mais, embora tenha certeza de que seria uma extravagância que não combinaria em nada com o filme. Clint atinge seu objetivo. Naquele momento, sabemos que o destino da história está traçado. Mas isso não era necessário, pois o fato em si já é forte o suficiente.
Um personagem secundário, Danger, um adolescente meio retardado que sonha o mesmo que Maggie, embora sem o menor jeito para a coisa, me desagradou bastante durante o filme todo. Parecia servir de elemento cômico, algo totalmente desnecessário e até ridículo. Mas seu final compensa a irritação causada e justifica sua presença.
Este é um filme surpreendentemente belo. Em meio aos golpes da luta e da vida, floresce uma relação complexa. Seria perfeitamente compreensível que o público saísse aos prantos do cinema. Mas não Frankie, nem Maggie, nem Scrap. Nem mesmo Danger. Porque, no universo de Clint Eastwood, homens não choram. Nem meninas.

Filme visto no Belas Artes, Belo Horizonte, a 16 de Fevereiro de 2005

3 Comentários:

Anonymous Anônimo disse...

Gostei de sua crítica Eduardo, aumentou ainda mais minha vontade de assistir esse filme.
O filme "Closer" realmente é muito bom. Gostei.

Beijo!

Vanessa

10:15 AM  
Blogger Robson Miranda Argolo disse...

A melhor de todas.
Um Abraço!

11:02 AM  
Blogger Eduardo Gustini Simões disse...

Grazie mile!
Também achei a melhor, talvez por ter sido o melhor dos filmes sobre os quais escrevi.
Abrações, morrendo de saudades!!!

7:14 PM  

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