À Sra. Diretora
Então é assim que a história termina. Se fosse realmente virar filme, eu diria que melhor, impossível. Nem o mais brilhante escritor conseguiria pensar em algo assim. Subverteu todas as regras de construção de roteiro. Não que eu conheça as regras de construção de roteiro... Bom, de qualquer forma, você quebrou muitas outras, das quais eu entendo um pouco. Elas versam sobre respeito pelo passado e pelos outros (essa você quebrou muito mais de uma vez, diga-se de passagem).
Se você fez a coisa certa? Sim, é até bem provável que sim! Ou não, por outro lado, talvez. Chega um ponto na sua intricada trama em que qualquer caminho seria errado. E quando qualquer caminho seria errado, porque não criar um novo, atropelando quem estiver no caminho? Diferentemente do que eu esperava (mais uma surpresa do seu roteiro), a revelação do segredo não gerou uma reviravolta, mas manteve as coisas como eram. Eu entendo sua decisão. Seu personagem prefere ter uma pessoa que a ama incondicionalmente (mesmo que essa pessoa seja fracassada a ponto de aceitar qualquer coisa pra ficar com você) a correr os riscos de um relacionamento normal. É como preferir guardar dinheiro na poupança que comprar ações, por mais que elas rendam mais. Eu entendo porque já vivi uma coisa parecida. Graças a Deus, no entanto, eu gosto muito de mim mesmo para precisar de amor alheio incondicional. E é por isso que se você trocasse os pretendentes de lugar, seu personagem ainda assim terminaria com o mesmo mocinho.
Você me destruiu, isso é verdade. Matou o bandido no final. Três linhas e nenhuma consideração. Nenhum olhar, nenhuma despedida, nenhuma palavra. É o anticlímax como ponto alto. Talvez seja isso que Godard quis mostrar com aquela conversa de plano e contraplano em "Nossa Música". Talvez não tenha nada a ver. Não entendi o filme mesmo.
Se você fez da forma certa? Também, com certeza! Foi inovador para um filme... Na vida real as coisas são um pouco diferentes, é verdade, mas, afinal de contas, quem se importa com verossimilhança?
E não nos esqueçamos das alterações estruturais. Você fez o que era um filme virar um monólogo! Uau, essa mudança foi radical mesmo! De repente, não mais que de repente, não existe mais nada além de você. A maneira mais fácil pra você. O jeito que você consegue. Quem vai te fazer mais feliz. E um dos personagens simplesmente some. E some mesmo, porque é assim que você quer e é você quem manda porque o filme é seu.
Sim! É isso! O filme é seu! A fita gira ao seu redor. O Mundo das Maravilhas. A história, o filme, tudo pra você! Quem nunca sonhou com isso, afinal? Muitas histórias para contar para as futuras gerações:
- Ah, meus netinhos, mas o mais legal foi quando a gente fingiu que terminou e depois voltou com um beijo à luz da Lua...
True love waits. Yeah, but true egoism forgets it all. And it's stronger, and it always wins. Há! Minha contribuição para o produto final, em forma de título! Pode colocar meu nome nos créditos.
Falemos da trilha sonora. Um dia saberemos se um uníssono que poderia ser doce no final servirá de manual para o coração partido do último romance. Faz pouco sentido assim isoladamente, mas quem viu o filme (e quem viu o filme além de nós dois?) vai entender. E com passagens ao vivo, que tal? Quase nada popular. Para ouvidos um pouco mais exigentes.
E que escolha ousada para os dias atuais, a de não deixar brechas para continuações. Pouco comercial isso. Quem sabe um dia não passe num Unibanco da vida? Da forma como o final foi arquitetado, não há como aparecer o "volume 2, o retorno" daqui a um ano. Você fez assim, preferiu assim. Talvez por achar que se deixasse brecha, não conseguiria resitir a ela e botaria a mão na câmera de novo. Talvez por achar que não suportaria levar a trama às últimas consequências. Quem sabe? Aposto que nem você. Ah, mas agora não faz mais diferença. Para a imprensa, nas entrevistas coletivas, ao apresentar o filme nos festivais, você vai ter que dizer que foi porque você quis assim. Mesmo de noite, com a cabeça no travesseiro, ou tomando banho. Uma pessoa como você, tão autora, tão comprometida com a inovação, praticamente uma Bjork da sétima arte, não pode admitir de forma alguma que perdeu o controle da obra. Nem pra si mesma.
Bom, espero que tenha gostado da crítica. Não pude evitar a parcialidade de quem está diretamente envolvido. Quero um dia também ter a chance de ficar do outro lado do estúdio, gritando "Corta" e dispensando a equipe até o próximo filme. Mas por mais que aprecie as vanguardas introduzidas pelo seu trabalho, tenho em mente uma história bem mais tradicional, daquelas com final feliz para todos. Tenho certeza que você já ouviu falar.
Se você fez a coisa certa? Sim, é até bem provável que sim! Ou não, por outro lado, talvez. Chega um ponto na sua intricada trama em que qualquer caminho seria errado. E quando qualquer caminho seria errado, porque não criar um novo, atropelando quem estiver no caminho? Diferentemente do que eu esperava (mais uma surpresa do seu roteiro), a revelação do segredo não gerou uma reviravolta, mas manteve as coisas como eram. Eu entendo sua decisão. Seu personagem prefere ter uma pessoa que a ama incondicionalmente (mesmo que essa pessoa seja fracassada a ponto de aceitar qualquer coisa pra ficar com você) a correr os riscos de um relacionamento normal. É como preferir guardar dinheiro na poupança que comprar ações, por mais que elas rendam mais. Eu entendo porque já vivi uma coisa parecida. Graças a Deus, no entanto, eu gosto muito de mim mesmo para precisar de amor alheio incondicional. E é por isso que se você trocasse os pretendentes de lugar, seu personagem ainda assim terminaria com o mesmo mocinho.
Você me destruiu, isso é verdade. Matou o bandido no final. Três linhas e nenhuma consideração. Nenhum olhar, nenhuma despedida, nenhuma palavra. É o anticlímax como ponto alto. Talvez seja isso que Godard quis mostrar com aquela conversa de plano e contraplano em "Nossa Música". Talvez não tenha nada a ver. Não entendi o filme mesmo.
Se você fez da forma certa? Também, com certeza! Foi inovador para um filme... Na vida real as coisas são um pouco diferentes, é verdade, mas, afinal de contas, quem se importa com verossimilhança?
E não nos esqueçamos das alterações estruturais. Você fez o que era um filme virar um monólogo! Uau, essa mudança foi radical mesmo! De repente, não mais que de repente, não existe mais nada além de você. A maneira mais fácil pra você. O jeito que você consegue. Quem vai te fazer mais feliz. E um dos personagens simplesmente some. E some mesmo, porque é assim que você quer e é você quem manda porque o filme é seu.
Sim! É isso! O filme é seu! A fita gira ao seu redor. O Mundo das Maravilhas. A história, o filme, tudo pra você! Quem nunca sonhou com isso, afinal? Muitas histórias para contar para as futuras gerações:
- Ah, meus netinhos, mas o mais legal foi quando a gente fingiu que terminou e depois voltou com um beijo à luz da Lua...
True love waits. Yeah, but true egoism forgets it all. And it's stronger, and it always wins. Há! Minha contribuição para o produto final, em forma de título! Pode colocar meu nome nos créditos.
Falemos da trilha sonora. Um dia saberemos se um uníssono que poderia ser doce no final servirá de manual para o coração partido do último romance. Faz pouco sentido assim isoladamente, mas quem viu o filme (e quem viu o filme além de nós dois?) vai entender. E com passagens ao vivo, que tal? Quase nada popular. Para ouvidos um pouco mais exigentes.
E que escolha ousada para os dias atuais, a de não deixar brechas para continuações. Pouco comercial isso. Quem sabe um dia não passe num Unibanco da vida? Da forma como o final foi arquitetado, não há como aparecer o "volume 2, o retorno" daqui a um ano. Você fez assim, preferiu assim. Talvez por achar que se deixasse brecha, não conseguiria resitir a ela e botaria a mão na câmera de novo. Talvez por achar que não suportaria levar a trama às últimas consequências. Quem sabe? Aposto que nem você. Ah, mas agora não faz mais diferença. Para a imprensa, nas entrevistas coletivas, ao apresentar o filme nos festivais, você vai ter que dizer que foi porque você quis assim. Mesmo de noite, com a cabeça no travesseiro, ou tomando banho. Uma pessoa como você, tão autora, tão comprometida com a inovação, praticamente uma Bjork da sétima arte, não pode admitir de forma alguma que perdeu o controle da obra. Nem pra si mesma.
Bom, espero que tenha gostado da crítica. Não pude evitar a parcialidade de quem está diretamente envolvido. Quero um dia também ter a chance de ficar do outro lado do estúdio, gritando "Corta" e dispensando a equipe até o próximo filme. Mas por mais que aprecie as vanguardas introduzidas pelo seu trabalho, tenho em mente uma história bem mais tradicional, daquelas com final feliz para todos. Tenho certeza que você já ouviu falar.
3 Comentários:
Cara, muito bom o texto, impressionante. Sutil e muito bem escrito. Um grande abraço irmão, Lanes
Eu só achei Perfeito!! rsrs
Você realmente entendeu tudo.
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